domingo, 4 de novembro de 2007

Conclusão:

Hoje é possível constatar o declínio de todos os fenômenos tratados nesta pesquisa (desbunde, poesia marginal e imprensa alternativa) e reconhecer o valor dos objetos criados naquela época. A contracultura é um fenômeno histórico datado[1], suas expressões se deram nos E.U.A. e Europa, durante a década de 60, e no Brasil, durante os anos 70. É possível apreciar a arte e o comportamento daqueles jovens e até sentir identificação com eles, mas não é possível viver aqueles tempos. O mundo mudou muito e a indústria cultural também. A contracultura foi rapidamente absorvida pela indústria norte-americana. No Brasil esta absorção também acorreu após o fim da ditadura militar e da censura.

Os poetas marginais hoje têm livros editados por grandes editoras e são vendidos em grandes livrarias. Alguns talvez possam ser considerados cânones de nossa cultura. As inovações do jornalismo contracultural, principalmente as visuais e gráficas, foram incorporadas pelos cadernos de cultura da grande imprensa. Sem a censura, os grandes jornais passaram a ocupar os espaços antes ocupados pela imprensa alternativa, que não ressurgiu. A contracultura brasileira deixou marcas na cultura nacional e alguns dos bens simbólicos produzidos por seus membros continuam a ser consumidos.

Hoje, apenas a revista Caros Amigos mantêm a chama do jornalismo alternativo acesa. Mas para muitos, como Luiz Carlos Maciel, uma imprensa alternativa hoje ainda é possível, principalmente, com a ajuda das tecnologias da Internet. “Ela divulga, comunica, transmite. Para você desenvolver alguma coisa, não é lá dentro. Você usa para espalhar, uma vantagem que existe hoje e não existia na época[2].”

Realmente existe muito material referente à contracultura na Internet. O sítio de relacionamentos Orkut, muito popular no Brasil, apresenta inúmeras comunidades virtuais dedicadas a divulgar e discutir a contracultura e seus variados ícones. Algumas destas comunidades possuem mais de 70.000 membros. Blogs e Fotologs pessoais, em menor escala, também fazem essa divulgação. O próspero casamento entre a rede mundial dos computadores e a contracultura é facilmente explicada pela tendência de ambas em “fazer você mesmo”. Isto é, a máxima hippie do “faça você mesmo” não difere tanto do que é apontado como o futuro da Internet: Web 2.0, a mídia produzida pelo próprio consumidor e capaz de render nada menos do que US$ 1,2 bilhões para os criadores do sítio You Tube, comprado pela a empresa Google.

Talvez uma absorção pela indústria cultural possa desvirtuar a essência de um movimento. Muitos autores estudados apontam que o movimento alternativo encerrou seu ciclo histórico, por conta da comercialização dos valores contraculturais tão comum na atualidade. Entretanto, a absorção seja, além de inevitável, muito esperada. Foi exatamente esta a afirmação de Jorge Mautner, poeta da contracultura. Já em 1972 ele disse, em uma entrevista para o jornal Bondinho[3],ser uma reforma cultural a inserção da contracultura na cultura dominante, trazendo, assim, a atenção não para as derrotas, mas para as vitórias deste movimento. Quem explica é o próprio Mautner:

Se é inevitável essa absorção, vamos então fazer com que essa absorção seja feita de modo a talvez preservar o que seja, o que mereça ser preservado, o que é a essência da coisa.[4]

Outras aliadas da contracultura são as novas tecnologias de comunicação, mais baratas e democráticas em comparação às existentes na década de 70, que podem, como disse Maciel[5], facilitar a divulgação de uma contracultura. Portanto, novas expressões culturais nesta área devem ser continuamente estudadas à luz do que foi a contracultura. A ausência de um estado totalitário desestimula a rebelião, que é, paradoxalmente, mais forte quando mais reprimida. Como o avanço da tecnocracia resulta em formas cada vez mais subliminares de dominação e mais eficazes na depauperação do protesto, é possível que nunca mais venha a ocorrer um movimento contra o sistema tão forte e revolucionário quanto o que ocorreu no período estudado.

O comportamento rebelde continua até hoje e muito da liberdade existente hoje é decorrente daquela época de embates entre gerações. Vide a liberdade sexual e estética. No que se refere à moda o estilo hippie gerou o hippie chic ou hippie de boutique, que veste um visual hippie, mas paga muito caro por isso. Outros movimentos culturais como o punk disseminaram-se e, hoje, existem vários estilos diferentes de visuais rebeldes. Comparado aos cabelos moicanos e aos piercings exóticos, o visual hippie não é muito chocante.

Se a contracultura realmente acabou, deixo para o leitor decidir. De fato o movimento hippie acabou e até foi enterrado em São Francisco, durante o verão de 1969[6], antes mesmo do auge do comportamento que ficou conhecido como “desbunde” no Brasil. Toninho Vaz, jornalista, participante da contracultura durante os anos 70 e autor das biografias de dois grandes ícones da contracultura, os poetas Paulo Leminski e Torquato Neto, explica não haver oposição ao Sistema, como houve no passado, um fato sintomático dos tempos atuais:

Não existe mais necessidade e nem possibilidade de movimentos de contracultura. Pelo contrário, a época é de globalização. O mundo de George Orwell chegou[7]. Somos todos “replicantes”[8] e Deus está morto. O mundo e a natureza selvagem já estão no catálogo virtual do homem, que continua rompendo os espaços das galáxias. Diante disso, você pode se descabelar ou apenas ler um poema de Walt Witman. Vai depender da sua sensibilidade.[9]

Construir um futuro começa com a experiência adquirida com o passado e, portanto, mesmo a história de um movimento restrito, como foi a contracultura brasileira, pode nos ser muito útil. As variadas expressões contraculturais no Brasil e, principalmente, as literárias e jornalísticas, mostram a capacidade de uma pluralidade de discursos se fazerem viáveis, apesar de todas as adversidades. Afirmação esta que se dá concomitantemente com a afirmação da indústria cultural em nosso país. As soluções da contracultura esbanjavam criatividade e só se tornaram viáveis graças à grande dedicação e coragem de seus realizadores. Esta é a maior lição que podemos recolher daqueles momentos.



[1] PEREIRA, Carlos Alberto M. (1986).

[2] Apud DORIGATTI, Bruno (23/09/2005).

[3] Bondinho edição de 31/3 a 13/4 de 1972.

[4] Idem.

[5] Entrevista feita por Dorrigatti (23/09/2005).

[6] ROSZAK, Theodore (1972 [1969]).

[7] O mundo totalmente vigiado pelo Big Brother descrito no livro 1984.

[8] “Replicantes” são robôs, personagens do filme Caçador de Andróides (Ridley Scott, 1982, Blade Runner).

[9] Anexo.

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